quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Desventuras no hospital com nome de santa

19h. Toca o celular.
"Sua mãe não está bem", diz a voz.
Trajeto trabalho-casa-hospital.

Boa noite. Sente-se e aguarde sua vez.
Olho para os lados.
Muitos moribundos, muitos acompanhantes.
A senhora assiste à televisão com o olhar distante.
O moço reconforta sua esposa que não consegue suportar a dor.
O metido a empresário não para de falar ao celular, enquanto o filho reclama.
Cof. Cof. Atchim!
Ai pai, tá doendo.
Se acalma que já, já vão chamar a gente.

Senha: 428.
Qual o plano de saúde, senhor?
Qual a especialidade?
Data de nascimento? Identidade? CPF? Endereço? Telefone? Celular? CEP?
Pior que inquérito policial.
Muitos dados e algumas folhas assinadas depois, ouve-se a trombeta da esperança.
Senhora Juliana.
É a nossa vez.

Como se sente?
Desidratada?
Ai, doutor. Dói aqui, ali, aculá.
Carimbo. Assinatura. Letra em garranchos.
Siga até a enfermaria para tomar soro.

Poltrona de couro. Bem confortável.
Pessoas doentes com seus amigos mudos, os pedestais que seguram as pequenas porções.
Sacos e mais sacos de soro fisiológico.
Enfermeiros passando.
Choro de criança.
Moço, tá doendo.
Fique aqui e me avise quando o soro terminar.

Ploc. Ploc. Ploc.
O som quase imperceptível da solução a gotejar se mistura com o ambiente.
Entra o enfermeiro.
Agulha. Espeta. Aflição. Soro correndo pelo pequeno cano de plástico.
Sim, ela está aqui do meu lado.
Já está recebendo medicação. Não, vou demorar. Quatro doses de soro.
Aparece a moça com dor da recepção.
Está sozinha.
O que aconteceu?
Muita dor ao urinar, minha barriga está me matando.
Deve ser pedra nos rins. Vai fazer algum exame?
Sim, daqui a pouco.
Vira para o lado e tenta, em vão, falar com o marido.

Ler revista ou brincar no celular?
Dúvidas crueis para passar o tempo. Minha mãe dorme na poltrona.
Jogo de futebol na televisão.
Chove no gramado. A bola confunde os jogadores brincando nas poças d'água.
O tempo brinca comigo enquanto espero o paciente gotejar do soro ter fim.

Gritos no corredor.
Todos ficam alertas.
Uma menina é carregada pelo pai. A cabeça está sem força.
Pende de um lado para o outro.
O pai olha para os lados, atrás de alguém para socorrê-la.
A mãe, cada vez que olha para a menina, se desespera.
Chora copiosamente.

Entram correndo os homens e mulheres de branco.
Pressão? 8 por 4.
Muito baixa.
O que aconteceu com ela?
Falam as amigas, todas com menos de 15 anos.
A gente tava numa festa, tio. Serviram vodka. Ela bebeu.
(Ah meu amigo, isso é chamado na minha terra de um belo dum PT)
Ela só bebeu isso?
Foi.

Passa o tempo.
O ventilador no teto tenta refrescar os rostos aflitos pela dor, angústia, medo.
A menina fica estável.
Se debatia muito. Toma glicose na veia.
O pai brada desesperadamente pelo corredor.
Eu quero um exame toxicológico!
A mãe está sentada ao meu lado, em uma das poltronas.
Olha para a filha e pensa:
Onde foi que errei?
O que aconteceu?

Não foi erro dos pais.
Nem das amigas.
Nem da própria menina.
O erro é dessa geração.
Precoce. Pseudo-independente.
E, claro, de falsas amizades.
A menina é apenas mais uma vítima dessa bola de neve.

Pego no sono.
A aventura já se desenrola por mais de quatro horas.
1 da manhã. Finda-se a última dose de soro.
Pegou os exames? Falou com o enfermeiro? Chamou o médico?
Já, mãe.
Ela já está bem. Reidratou-se. Podem ir para casa.

Do lado de fora, o frio toma conta.
De dia, o lugar era um formigueiro.
Agora, o simples assobio de um porteiro do outro lado da rua é ouvido com clareza.
Plim plim.
Cuidado, mãe. Deixa que eu abro a porta para você.
Engato a primeira marcha.
Vejo outro carro entrando no estacionamento.
O hospital não dorme.

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