sábado, 16 de maio de 2009

Carta de despedida

Adeus, velho mundo
Ver-te-ei nunca mais
Minha transição está completa
Corpo e espírito agora se unirão
A ponte para essa ligação:
O amor.

Amei como uma mãe ama seu filho
Amei como um artista ama sua arte
Amei como um solitário deitado na grama, contemplando os céus
Amei como o primeiro gole d'água
Amei como o promeiro beijo

Amei.

Meu coração está entregue, realizado
E só uma pessoa possui a chave para desse portal:
Ela.

Céus, como a amo!
Nem os deuses conseguiriam descrever o que sinto
Amo
Amei
Amarei
Agora em um outro estágio
Algo entre o divino e o terreno
Mas onde minha mente se recorda
E se recorda
E me recorda...

Cada parte do meu dia lembra ela
Marcou minha vida de um modo único, especial
Amo-a, e para sempre vou amá-la, independente do que aconteça

Adeus, velho mundo
Ver-te-ei nunca mais

Cuide bem dela.

Flávio T. Botelho

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Saideira

Opa! Tudo bem? Beleza pura. É cara, apesar do dia corrido, vamos celebrar o fim dele! É, sexta-feira, quando dá 17h no relógio, eu já fico contando os minutos para descer do escritório e vir tomar aquele uisquinho! Meu patrão, desce a primeira dose da noite aí!

Que maravilha! Isso aqui é o manjar dos deuses! Passei a tarde inteira pensando nesse momento, nesse sentimento. Por que estou tão bem humorado? Ora, a vida vai muito bem, obrigado! Adoro meu emprego, apesar de querer um aumentinho, afinal, ninguém é de ferro, né? Em casa? Tudo bem também. Minha esposa está bem. Estamos juntos há tanto tempo que nem acredito. Filhos? Não sei, acho que ainda não estamos preparados. Somos jovens. Apesar do longo tempo juntos, não diria que estabilidade é o forte entre eu e a patroa. Ai, ai. Por favor, desce a segunda aí.

Tem um cigarro? Como assim, nunca me viu fumar? Lógico que sim. Quando comecei? Desde... Ontem. Ah vá, pare de baboseira e me arrume um. Isso, que maravilha. Uísque e cigarro, não há combinação melhor. Desce mais uma dose dupla aí, meu querido!

Cara, que doideira! Voltei à minha adolescência agora! Que barato! Fazia tanto tempo que não me sentia assim, tão leve! O que? Como assim você ousa dizer que eu não aproveitei minha juventude? Eu estou na juventude! Eu sou a jovialidade! Quero mais é me divertir, largar mão das obrigações de trabalho, casa, relacionamento. Ao caralho com elas! Preciso é beber mais. Desce mais uma aí, que hoje a noite vai ser longa.

Aumenta o som aí! É rock n’ roll! Cara, nunca me diverti tanto! Como? Não estou ouvindo, fale mais alto! Por que eu estou sozinho? Sei lá! Meus amigos não puderam vir hoje, mas da próxima vez eles virão, pode anotar! O pessoal do escritório? Fodam-se eles. Só tem babaca naquele lugar. Um bando de robozinhos vestidos de terno e gravata que não fazem mais nada além de receber ordens e escrever relatórios. Trabalho de corno! Cala essa boca, seu animal! Não sou igual a eles não! Sou diferente, meu trabalho é muito mais importante que o deles. Como então eu ainda estou lá, trabalhando com eles? Sei lá! Por que preciso do dinheiro? Ah, deixe de palhaçada e desce a... A... Sei lá, perdi a conta. Desce mais uma!

Putz cara, foi mal. Eu juro que pago. Não é nada, é só um copinho quebrado. Porra, para com isso! Eu sou teu amigo, já falei que isso não vai mais acontecer. Quer ver só? Como o último copo foi a nocaute, traz mais duas doses aí! Uma com gelo e uma sem!

Sabe aquele copo quebrado? Aquilo representa a minha vida. Estou igual àquele copo, estraçalhado, fudido! É uma merda. Não, cara, juro que não disse isso. O que? Acha que minha vida está às mil maravilhas? Engano seu. Meu trabalho? É uma merda de um emprego sem futuro! Nunca me valorizaram naquele poleiro. Eu só aceitei trabalhar lá porque minha esposa pediu. Ela queria que eu já começasse a criar vergonha na cara, a ter responsabilidades na vida... Nossa, como sou um bundão. Sou reprimido pela minha própria esposa. Aquela vagabunda tirou minha liberdade! Vadia! Não, não vou parar de gritar! Por que? Porque ela foi embora de casa ontem, por causa de uma briguinha à toa. Na hora que o bicho pega, ela foge e me deixa com o abacaxi na mão! Desce mais uma aí, pra eu poder me acalmar.

Quem disse que eu consigo esquecer? Não dá. Eu sou um lixo. Não consigo conviver com a mulher que amo. Por que? Por que ela me deixou? Céus, minha vida é uma miséria! Não tenho amigos, não sou querido por ninguém. Acho que só quem gosta de mim é a bebida. Essa sim é minha companheira. Nunca reclamou comigo, sempre me ajudou na hora em que precisei. E eu vou voltar a ter uma conversinha com ela. Mais uma dose!

Putz... É impressão minha ou essa budega desse bar está ficando escuro? E eu aqui, conversando com um copo vazio? Eu estou bem, me deixe quieto! Eu vou pegar meu celular e ligar para minha esposa. É, tentar resolver tudo! Como assim eu não vou conseguir? Ah, agora eu estou bêbado? Como é? Duvida que eu consiga ligar para ela? Você vai ver só. Vou ligar pra ela e resolver tudo. Qual é o número mesmo? 9-2-3... Caralho, não consigo lembrar. Que vergonha... Como você é inútil. Não se lembra nem do número do celular da sua esposa... Seu nada. Você é igual a este copo na sua frente. Vazio. Um verdadeiro zero à esquerda...

Desce a saideira aí.

Central? Aqui é a unidade móvel nº 15197, confirmando a chegada no local indicado. Homem, branco, aparentando ter 25 anos, bem vestido. Qual localização? 0-7-2-9-4. Isso, localização nº 07294. Como ele aparenta estar? Parece morto. Vou conferir. Não, está apenas dormindo. Homem possui um forte odor de bebida alcoólica. Acho que vomitou também, está sentado ao lado de uma poça. Não é uma visão nada agradável. Central, vômito do homem está com uma coloração estranha, um certo tom de vermelho. Se é sangue? Sim, poderia afirmar que sim. Mais uma coisa, Central: sem identificação. Isso, o sujeito está bem vestido, mas não possui carteira, celular, relógio. Nada. Podemos realizar transporte do indigente para o hospital central? Sim, considero esse o caso de levarmos ele para lá, dar-lhe um bom banho e tentar descobrir sua identid... Aguarde um instante, Central. Homem começou a entrar em colapso nervoso! Sim, convulsão! Olhos esbugalhados, pulso elevado, palidez no rosto! Acaba de vomitar mais sangue! Central, mande outra unidade móvel com urgência! Precisamos de um desfibrilador! Homem está tendo uma parada cardíaca! Nós vamos perdê-lo!

Flávio T. Botelho - 12/05/2009