Sábado, 21h30. A noite tinha tudo para dar errado. Procurei alguém. Nada. Procurei algo para fazer. Nada também. Pela internet, tentei todas as ferramentas possíveis. Nada. Procurei até o bom e velho orelhão, liguei para a maioria dos que eu conhecia. Nada. Pensei comigo: “É, o jeito agora é voltar pra casa”. Entrei, vi a sala vazia. Silêncio. Nem o silvar do vento pelas frestas da janela emitia o tão habitual som que preenchia aquele lugar. Desejei profundamente, naquele momento, que algo mudasse o triste desfecho daquela noite quase perdida.
Toca o telefone. “Quem será?”, pensei. “Por favor, não seja um engano”. Ao atender, reconheci a voz de um grande amigo meu. “Obrigado!” Nunca fiquei tão feliz em ter atendido aquele simples telefonema. “E aí rapaz, como você está?”, entoava a voz do outro lado da linha. Papo vai, papo vem, aparece a pergunta que eu estava louco para ouvir: “E aí, já tem algo para fazer hoje?” Não pensei duas vezes antes de responder: “Vambora!” Nem sabia pra onde eu iria. Só queria ir, sair da prisão domiciliar que estava se tornando aquele sábado à noite. Arrumei-me rapidamente e desci do prédio, para ir de carona com meu colega.
Já dentro do carro, agradeci muito o convite feito. Fazia muito tempo que não encontrava esse colega. Conversamos um bocado no caminho até a festa aonde iríamos. Passamos antes em um mercado para começarmos a “aquecer” com duas cervejas bem geladas.
Chegamos à festa por volta de 22h40. Parecia, à primeira vista, um ambiente bem agradável. Tinha bastante gente, mas não estava lotado. Decidimos não esperar muito do lado de fora e entramos. Começamos a estudar o local. Caminhamos por toda a extensão do lugar, até chegarmos ao bar, do lado oposto ao que havíamos entrado. Pedimos mais duas cervejas, abrimo-las, brindamos e começamos a olhar para a parte central do lugar, a pista de dança.
Muitas pessoas já dominavam o local. Gente, suor, som alto e luzes fortes que acendiam e apagavam. Um espetáculo quase tribal era realizado na minha frente. Até que me deparei com um olhar. Diferente, porém carregado de sentimento, de desejo, talvez. Aquilo me atraiu. Ela usava um vestido preto nem tão curto, nem tão longo. A barra deixava visível o meio de seus joelhos para baixo. Seus cabelos eram cortados na altura do pescoço. Não era tão alta assim, possuía uma estatura mediana, por volta de 1m70. Um belo sapato que contornava com delicadeza toda a forma de seus pequenos pés. Possuía uma cintura perfeita. O tecido do vestido marcava suavemente as curvas de seus quadris. Seus seios, de uma forma quase esteticamente perfeita, preenchiam de forma magistral o belo decote do vestido preto. Porém, o que mais me chamou a atenção foi o olhar. Num milésimo de segundo, me petrificou e me encantou ao mesmo tempo.
Aquele momento pareceu uma eternidade. Meu colega me tirou do sonho momentâneo me cutucando e apontando para outra garota. Assenti com a cabeça e voltei o olhar para a bela mulher. Porém, ela tinha sumido. “Deve ter só mudado de lugar”, pensei. Percorri todo o lugar com os olhos novamente e a achei conversando com suas amigas. Ria de alguma coisa. Até seu sorriso era hipnótico.
Precisava de coragem. E muita, para não parecer um idiota quando fosse falar com ela. Senti um calafrio passando pela minha espinha e uma estranha sensação de ansiedade tomou conta de mim. “Qual é, cara?”, critiquei-me. “Nunca passou por isso, não? Deixa disso! Vai lá e fala com ela!” Chamei meu colega e avisei-o que era hora de beber algo mais forte. Ele concordou e pedimos duas doses de Cuba Libre caprichada no rum. Cada gole da bebida rasgava minha garganta, mas me fazia cada vez mais focar o pensamento nela. Ela. Nem ao menos sabia seu nome, mas já havia mexido com minhas bases. Terminamos as doses ao mesmo tempo. Meu colega fazia uma careta. Ri um pouco, o que quebrou um pouco a tensão. Avisei-o que iria dar uma volta, para me ligar quando quisesse. Ele me assentiu com a cabeça, virou de lado e começou a conversar com uma garota que estava ao seu lado no bar.
Saí do balcão triunfante. “É agora, não dá mais pra perder tempo”. Ela estava de costas. Perfeito. Era o ideal, pois só iria chamar sua atenção e começaríamos a conversar. No meio do caminho, entretanto, ela virou a cabeça e me lançou novamente seu olhar, como se soubesse que eu iria falar com ela. Aquilo me pegou no contrapé. Virei para o lado esquerdo e fui para o canto do salão. Eu ofegava fortemente e suava frio. “O que está acontecendo comigo?”, pensei. Respirei fundo, passei as mãos no rosto e olhei novamente para onde ela estava parada.
Dessa vez, porém, não fiquei nervoso. Seu olhar agora era reconfortante. Deu-me a confiança de que precisava. Recobrei-me psicologicamente, não tirando os olhos dela. Saí por entre os espaços que me apareciam, sem perdê-la de vista. Senti-me desbravando uma mata fechada, atrás de um tesouro. A recompensa por todo o esforço estava próxima.
Aproximei-me dela. Ela, decidida, fez o mesmo comigo. Nossos olhos trocaram confidências. Parecia, naquele momento, que eu a conhecia de longa data. Não trocamos palavras, nossos gestos falavam por si próprios. Toquei seu rosto. Sua pele era de uma maciez divina. No momento em que corria lentamente minha mão no seu rosto, ela fechou os olhos. Agarrou meu braço. Puxei-a para perto de mim. Abraçamos-nos. Sua respiração também estava ofegante. Sentia seu ventre junto ao meu.
Coloquei minhas mãos sobre suas costas, sentindo o tecido do seu vestido com a palma de minhas mãos. Ela respondeu o gesto passando seus dois antebraços em volta da minha nuca. Começamos então a nos balançar lentamente, ao ritmo da música que ladrava forte em nossos ouvidos. Cada balanço do meu corpo era seguido pelo dela. Não trocamos palavras. Nossos gestos falavam por si próprios. Sentia seu rosto apoiado sobre meu peito e parte do meu pescoço. Estávamos no mesmo ritmo. Respiração, batimentos, pensamentos. Tudo estava a nosso favor.
De repente, ela levantou o seu belo rosto e olhou diretamente para mim. Seu olhar, diferentemente da primeira vez, agora era sentimento puro. Aqueles olhos que outrora me estudaram e tentaram me decifrar, agora mostravam seu lado mais belo. Como seus olhos eram bonitos. Beijei-a no rosto. Novamente, ela fechou os olhos. Então, aconteceu algo de pura magia, coisas que ninguém pode explicar. Como se soubéssemos o pensamento e a vontade um do outro, nossos lábios se tocaram.
Um beijo magnífico selou aquele momento magistral e marcante. Nesse momento, perdi completamente a noção do tempo. Estava inerte naquele mar de felicidade e paixão. Não trocamos palavras. Nossos gestos falavam por si próprios.
Fomos interrompidos pelas condições do ambiente em que nos encontrávamos. Muito abafado, o calor era insuportável. Nossos rostos, braços, peitoral e pernas estavam completamente tomados por aquela umidade. Tirei-a da pista de dança e fomos ao bar. Pedi uma garrafa d’água. Abri-a e dei o primeiro gole para ela. Ela agradeceu-me com o olhar e bebeu. Ao terminar, puxou meu rosto e me deu outro beijo. Se antes já havia sido bom, com a sensação de frescor vinda de sua boca ficou melhor ainda. Abraçamos-nos.
Enquanto estávamos juntos, avistei meu colega por cima do ombro dela. Ele também estava abraçado com uma garota, do mesmo jeito que eu estava. Ele deu uma breve piscadela com um dos olhos. Sorri de volta.
Quando eu e ela voltamos para a mesa onde eu a havia avistado a primeira vez, suas amigas chegaram e falaram que já tinham de ir embora. Pediram certa pressa, pois a carona delas já estava chegando. Não acreditei naquilo. “Como assim, não consegui nem conversar com ela até agora? Será que não saberei nem seu nome?”, pensei. Ela me lançou outro olhar, dessa vez de tristeza e me abraçou. Como meu coração doía naquele momento. Enquanto estávamos abraçados, ouvi pela primeira vez sua voz. “Me empresta seu celular”, dizia aquela doce voz. Peguei-o e entreguei-o em suas mãos. Fiquei curioso com tal atitude, mas não falei nada. Ela começou a digitar algo. Passado um minuto, me devolveu o celular e me deu outro beijo. Ao terminarmos, passou a minha mão em meu rosto e disse, com um olhar indescritível: “Obrigado pela noite maravilhosa”. Levantou-se, beijou minha testa e foi atrás das amigas, que a esperavam perto da saída.
Fiquei atordoado com aquilo. Um turbilhão de pensamentos tomou conta da minha cabeça. “Então é isso? Acabou por agora? Nem sei seu nome...” Peguei o celular e, quando ia guardá-lo, vi que havia algo diferente nele. Uma mensagem de texto estava aberta. “Desculpe por não termos conversado direito. Quero muito conhecer você. Ligue-me amanhã. Beijos, Luana.” O seu número de celular culminava a mensagem.
Ao terminar de ler, uma onda de alegria tomava conta de mim. Tinha ido do inferno ao céu em menos de 30 segundos. Vibrava por dentro. Olhei para cima, como se um temporal estivesse caindo sobre mim, e sorri. Sabia que não acabava por ali. Sentia isso muito forte dentro de mim.
Fui atrás de meu colega para irmos embora para casa. Ele saía do banheiro. Encontramos-nos no bar. “E aí, como foi sua noite?”, me perguntou com um sorriso malicioso no rosto. Sorri de volta e disse: “Te conto no caminho de volta para casa”.